O CÓDIGO DE POSTURAS
E OS BALDIOS
O Código de Posturas da Junta de Freguesia de Valongo do Vouga, que foi aprovado e aplicado na sua área territorial no ano de 1947, continha alguns factos, talvez um tanto inéditos naquela época, os quais constituem história. Esses factos estão relacionados com propriedades designadas por BALDIOS.
Os BALDIOS eram terrenos não pertencentes a qualquer cidadão ou outra entidade, ou seja, numa linguagem vulgar, não eram propriedade de ninguém.
Existe profusa e esclarecedora definição destas propriedades no meio cibernauta, que nos permitimos citar, por exemplo, o site https://ffms.pt/pt-pt/fundacao, da Fundação Alexandre Soares dos Santos, que descreve:
"Baldios são terrenos destinados a servir de logradouro comum dos vizinhos de uma povoação ou de um grupo de povoações. Destinam-se à satisfação de certas necessidades individuais, como a apascentação de gado, a apanha de lenha ou o fabrico de carvão de sobro. A sua origem resulta da necessidade que os moradores de aldeias rurais, vivendo da exploração familiar, tinham de dispor de espaços incultos onde pudessem exercer as actividades complementares da atividade agrária".
Seguem-se mais definições e outras informações acerca desta matéria. É do conhecimento geral o que representaram os BALDIOS na vizinha freguesia do Préstimo. Originaram uma forte movimentação, nomeadamente na Comunicação Social, que justificou durante um largo período de tempo regulares reportagens publicadas no semanário local "Soberania do Povo", da autoria do poeta e jornalista bairradino (e particular amigo pessoal) Armor Pires Mota, com a epígrafe O Préstimo a Caminho de Lisboa - As Arbitrariedades dos Serviços Florestais.
Nestas reportagens em que também participámos, acompanhados por um grupo de jovens ao tempo, a sua repercussão foi enorme, quer ao nível do concelho, do distrito e até do País.
Na freguesia os Baldios foram, como se referiu, importante fator de interesse e alguma repercussão económica. A Junta de Freguesia presidida pelo conceituado professor João Batista Fernandes Vidal, em nota de rodapé naquele documento jurídico, no CAPÍTULO II - Património Paroquial, diz que "Todos os terrenos ditos baldios e de logradouro comum existentes na freguesia são bens próprios da Junta - porque os comprou - e constituem Património Paroquial".
E as anotações do prof. Vidal são seguem:
"Façamos aqui um pouco de história, porque aos vindouros interessa saber a razão porque esta freguesia dispõe dos seus baldios, nos quais eles podem estender a vista no enlevo de viçosos talhões de arvoredo que ali possuam, a troico de uns míseros tostões que pagam à Junta, enquanto que às freguesias vizinhas não é dado gozar de tal regalia. Pois essa regalia de que hoje se goza nesta freguesia só se deve às nossas canseiras.
A questão da posse dos baldios vinha de longe e já no tempo da Monarquia, em 1883 uma Câmara houve que deliberou considerar paroquiais os baldios de Macinhata e Valongo. Mas outra Câmara veio que anulou aquela deliberação, por inconsistente, e os baldios continuaram em posse do Município.
Com o advento da República quis o acaso que, como agora, presidíssemos aos destinos desta Junta.
Como sabíamos de sobra que o melhor futuro da freguesia - que é pobre - estava na posse e aproveitamento dos seus baldios, encetámos a campanha pró-posse destes baldios, campanha em que encontrámos sempre o melhor auxílio do velho amigo, Sr. Casimiro de Oliveira Bastos, que era então secretário da Câmara Municipal de Águeda. Mas a verdade é que conversações, abaixo-assinados, representações, etc., tudo esbarrava com a mesma dificuldade: a falta de base legal para o reconhecimento dessa posse. Podia qualquer Câmara resolver esse reconhecimento. Mas, como tal resolução não tinha fundamento legal, outra Câmara viria anulá-lo, como já sucedeu no tempo da Monarquia.
O certo é que esta questão vinha-se arrastando havia já meia dúzia de anos sem se descobrir maneira de legalmente ser resolvida. Contudo, não desistimos de cogitar na maneira de resolver o problema que sempre considerámos de vida ou de mote para a vida económica da freguesia. Até que um dia ocorreu-nos uma ideia, ideia Providencial: A Junta compraria os baldios à Câmara!
Esta transação era inteiramente legal, mediante o cumprimento de certas formalidades exigidas pelo Código Administrativo então vigente, aliás fáceis de realizar.
Corremos logo a expor ao então presidente da Câmara e nosso amigo, Sr. Celestino da Silva Neto anosa ideia, que ele achou genial, admirando que tal ainda não tivesse lembrado a ninguém. (É a história do ovo de Colombo «Muitas coisas fáceis não lembram toda a gente").
Obtido o assentimento de toda a Câmara, logo se resolveu o negócio e, cumpridas as formalidades legais, tanto por parte da Junta como da Câmara, foram, finalmente, os baldios desta freguesia adjudicados à Junta, por escritura de 5 de janeiro de 1947, pela quantia 200$00 (duzentos escudos)."
E concluiu o presidente da Junta de Freguesia em 1947:
Dos enormes benefícios que esta solução trouxe à vida económica da freguesia já hoje ninguém duvida. São muitos milhares de contos (ao tempo, um conto correspondia a 1.000$00=5€) que cá ficam e que, sem ela, veríamos ir para fora, como está sucedendo às freguesias vizinhas, cujos homens - como também os houve cá dentro - se permitiram de nos censurar asperamente pela solução que demos ao caso dos baldios. Hoje sentimo-nos largamente recompensados dessas censuras ao ouvir dizer aos mesmos ou aos seus conterrâneos: «As nossas freguesias não tiveram, como a de Valongo, quem cuidasse dos seus interesses e por isso lhe estamos agora a sofrer as consequências, porque os nossos baldios passaram à posse da Junta de Colonização Interna (Florestal) privando-nos assim das grandes regalias que os de Valongo estão fruindo com a posse dos seus».
É esta uma grande verdade, verdade que naquele tempo ninguém via, mas que nós nunca descurámos nem descansámos enquanto definitivamente não conseguimos ver resolvido o magno problema da posse dos baldios da freguesia.
E assim fica narrada, com verdade, a história dos baldios de Valongo do Vouga, para os curiosos que desejam conhecê-la."
Mas mais elementos históricos existem;
Possuímos fotocópia de uma certidão de teor que foi passada no ano de 1973, pela Repartição de Finanças do Concelho de Águeda, a requerimento do presidente da Junta de Freguesia então em exercício, Sr. Manuel da Fonseca Morais, a qual narrativamente faz a descrição de mais de 100 (cem) artigos de propriedades rústicas em nome da Junta de Freguesia em 34 páginas datilografadas.
Sabe-se que entre essas propriedades avultam terrenos de grandes dimensões, de pinhal e outras árvores, que naquele ano de 1947 constituíam formas de alguma fortuna e riqueza.