O CHICO
Francisco António da Silva Gomes dos Santos

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Intitular esta página com "O CHICO", nada tem de intencional ou pejorativo mas antes, talvez, tentar abusar um pouco da intimidade privilegiada que tive com esta ilustre personalidade da freguesia há umas décadas emigrado no Brasil. Mas afinal de quem se trata? Fazemos esta interrogação porque estamos convictos que haverá por cá muita boa gente que não se recorda.
Abrimos um pequeno parêntesis para poder reavivar a sua identificação. O nome completo é aquele que está ali em cima. Seus pais foram os não menos ilustres Inspetor Arménio Gomes dos Santos - que não carece de mais apresentações - e Antónia Valente da Silva, insigne professora nas escolas de Arrancada do Vouga na década de cinquenta séc. XX. (1)
Recorda-se que seu pai, o Inspetor Arménio, nasceu em 9 de fevereiro de 1900 e faleceu em 30 de abril de 1971, de forma triste e trágica, caído junto ao portão de sua casa quando ia pedir auxílio, ficando ali à chuva e ao frio toda a noite até ter sido encontrado pela manhã.
Quanto ao "Chico", já em 2 de abril de 2012, em outro blogue que aqui mantivemos, lhe dedicamos uma pequena nota que não resistimos em repetir e que «rezava» assim:
"O Chico foi meu colega de escola. Estava numa fila de carteiras que ficavam alinhadas do lado da parede, após a entrada da porta (lado direito) e fui colocado na segunda carteira, que, como se sabe, comportavam dois alunos. A primeira carteira desta fila era «chefiada» pelo saudoso João Vidal Xavier, há pouco falecido, filho do ilustre escritor, o Eng.º José de Bastos Xavier e de D. Dulce da Costa Vidal.
Ao meu lado esquerdo ficava a outra fila de alunos da 4ª classe e, na primeira carteira, outro «chefe» intelectual quanto baste, ou não tivesse a hereditariedade que marcar a sua posição. Era professora a saudosa D. Beatriz de Jesus Araújo Moura. Como ela gostava de traduzir os significados deste nomes, que iam desde a nobreza, religião, desporto à politica..
Há dias, desfolhando na Biblioteca Municipal, em pesquisas para outros trabalhos, encontrei umas reportagens, nas quais participei (sem fazer nada), cujo autor foi Armor Pires Mota, uma série que era designada «POR ONDE A SERRA COMEÇA», que chegou a tratar de alguns lugares da freguesia, encostados à serra das Talhadas mas pertencentes à área da freguesia de Valongo do Vouga: Redonda, Salgueiro, Moutedo, Gândara a Cadaveira.
Em paralelo com essas pesquisas e com a recordação daquelas interessantes reportagens, encontrei uma referência no Jornal «Soberania do Povo» cuja digitalização aqui deixo, que, pela numeração e em conjugação com outras reportagens e datas, deve ter sido publicada em 10 de abril de 1971. Infelizmente e imperdoavelmente, não tomei nota da data, que é elementar em pesquisas.
É com evidente saudade e outro tanto de sentimento de um dever, que o que encontrei diz respeito ao Francisco, hoje figura ilustre da Academia Brasileira, cujos degraus subiu a pulso próprio, antes de 1971, não sem conhecer e sentir o que foram as dificuldades porque passou até poder atingir o alto patamar da cultura e do saber. Esta é apenas uma singela lembrança."
O Chico deu-nos o privilégio de se corresponder connosco já depois de estar no Brasil. Chegou a ser nomeado Comissário de Policia na cidade de S. Paulo-Brasil. Enviou-nos algumas fotografias, com a sua prole, já depois de ter constituído família. Foi o primeiro Português a desempenhar altos cargos públicos na Magistratura Brasileira. Ofertou-nos o livro «A ÚLTIMA CEIA EM LISBOA», editado em 2001, numa linguagem a todos os títulos excecional e só admissível a quem conheceu o Chico. Trata-se de uma espécie de "reportagem" que pretendeu descrever uma confraternização que fora organizada na noite anterior à sua partida para o Brasil, realizada em Lisboa. E começava assim:
«Era a minha última ceia em Lisboa.
«Ali estávamos todos, sentados à larga mesa da pensão da dona FESSÓNIA. A nossa querida república de estudantes grulhas e madraços! As nossas idades iam dos dezoito aos vinte e cinco anos. Ali estava Portugal inteiro.»
E fazia alinhar as descrições de todos os «grulhas e madraços» que eram oriundos das mais variadas regiões do país, desde Trás-os-Montes, Entre-Douro-e-Minho, Alto Alentejo, Cais do Sodré-Lisboa, Ribatejo, OIivais (Lisboa), Travassos, Semide, Alfacinha (Lisboa), um conterrâneo de Eça. E rematava este introito desta forma:
«Eu era o homenageado, o valido herói, que iria a Sacavém na tarde seguinte, p´ra voar os céus do Atlântico, rumo à América e à Liberdade! Portanto, deram-me a outra cabeceira da mesa , onde, atestado de alegria e acanaveado de emoções, me sentia como numa charola.»
E na última página do livro, fecha assim o quadro:
"Ouvi um berro colossal no fundo do Tempo!
Desgrenhado, aflito, as gâmbias escanifres a pularem-lhe das cuecas, o Psítiros abanava-me:
- Chico, porra! O avião bate as asas daqui a uma hora!
Seria melhor que as não tivesse batido?
Ou que eu não houvesse acordado...?
Nunca, nunca o saberei...
E é esta singela e despretensiosa nota que deixamos por aqui para quem interessar.
Agradecemos ao Filipe Vidal, sobrinho do Chico, a amabilidade e simpatia colaborativa, revertendo a foto possível daquele seu familiar e nosso ilustre conterrâneo.
Inseridas ainda duas imagens - uma do jornal "Soberania do Povo" noticiando o seu brilhante percurso académico em S. Paulo (Brasil) e outra de seu pai - o Inspetor Arménio - exibindo uma das suas pombas amestradas que possuía na sua casa, que conhecemos, sita junto da Escola EB 2,3. A última imagem é de um dos dois edifícios (cada um com duas salas de aula) da escola que existiram nas escolas primárias de Arrancada. Esta ficava do lado nascente da estrada à entrada daquela localidade e era destinada ao sexo feminino, onde lecionou a profª Antónia Valente da Silva e outra igual localizada no mesmo local junto da estrada que segue para Aguieira, que frequentámos durante quatro anos.
(1) - O regime político então existente em Portugal de cariz ditatorial e substituído pelo golpe de estado ocorrido em abril de 1974, como é sabido, tinha até no ensino uma organização nada condizente com as melhores regras da pedagogia, formação e educação, sendo os alunos separados, existindo salas para rapazes e salas para meninas. Durante o recreio, os rapazes não podiam juntar-se às raparigas nas suas brincadeiras e existia uma acentuada discriminação. Os docentes, ao contrário, eram maioritariamente constituídos por senhoras, havendo um diminuto número de docentes do género masculino. Naqueles anos de 1949 os rapazes tinham as suas salas e as raparigas outras (ao todo quatro). As professoras para todas as classes de rapazes e raparigas eram apenas quatro, sendo uma professora para a 1ª e 3ª classes e uma professora para a 2ª e 4ª classes, hoje designados por primeiro ciclo ou primeiro, segundo, terceiro e quarto anos do ensino básico.
Estas professoras acumulavam as aulas ministrando as matérias dos programas estabelecidos para cada uma das classes, isto é o ensino era desenvolvido com as professoras a terem de se desdobrar para ensinar as crianças cumprindo os programas para cada uma das classes, durante um dia de aulas. Sabe-se que esta situação ainda é sobejamente conhecida de toda a população portuguesa.
Já que estamos em maré de recordações, parece-nos oportuno historiar algo mais sobre o ensino daquela época de cinquenta do séc. XX.
As professoras exerciam uma rude disciplina sobre os alunos, nomeadamente aplicando castigos através das célebres reguadas violentamente dadas sobre as mãos de imberbes crianças, de madeira relativamente pesada, havendo ainda quem utilizasse as celebérrimas «menina de quatro olhos» - uma régua de madeira também pesada, ficando na ponta, em formato redondo, a parte de madeira que batia violentamente nas mãos da «vítima» e onde se situavam quatro furos que provocavam um efeito assaz doloroso.
Um tempo a que não se pretende regressar, como se compreende.
Resta ainda acrescentar que as professoras tinham um efetivo total de alunos que, não sabemos ao certo, andaria à volta de mais de quinze a vinte alunos por classe.
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