segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

NOTÁVEIS DA MINHA TERRA - 9

   Eng.º JOSÉ DE BASTOS XAVIER

            
                    A residência  do Eng.º Bastos Xavier     

        O Eng.º José de Bastos Xavier foi uma personalidade marcante na vida da freguesia de Valongo do Vouga. Nasceu no lugar de Arrancada do Vouga em 29 de Outubro de 1902 e faleceu neste lugar em 25 de Março de 1976. Seus pais, recorde-se, foram António Pereira Vidal Xavier e Margarida da Silva Bastos.

            Dizia-se que tinha origens de bretão ou anglo-saxónico, que viera para o continente por sua avó que era da ilha das Flores (Açores). Os seus antepassados fixaram-se na freguesia de Valongo do Vouga e seu pai foi inicialmente funcionário público, exerceu funções de Chefe de Cantoneiros e era dotado de uma grande inclinação inventiva. Assim, quando se dirigia para o trabalho, parava junto de uma corrente de água onde girava uma pequena roda. Na observação contínua desse engenho hidráulico surgiu-lhe a ideia de criar uma indústria que veio a fundar numa sua propriedade, junto à ribeira do Pedrozelo, em Arrancada do Vouga, a primeira fábrica têxtil existente na freguesia e arredores, a conhecida FÁBRICA DA LÃ, vulgarmente assim designada no meio, tornando-se numa próspera indústria ao nível local, nacional e até internacional, sob a denominação de António Pereira Vidal & Filhos, Lda.
           O pai foi proprietário de uma loja de mercearias em Arrancada do Vouga, onde iniciou o seu trabalho como Caixeiro de Balcão, contactando as pessoas que formaram e moldaram o seu acrisolado fervor humanístico e passava já, nesta altura, o tempo a rabiscar em papéis as suas notas a respeito e aquele utilizava esta frase para acentuar e justificar o seu desinteresse pelo trabalho: «Ata as cordas, rapaz. Ata as cordas, rapaz»
           E atou mesmo! Mudou de rumo. Por conselho de um vizinho foi alertado da vocação e inclinação deste seu filho para o campo das letras. Foi para o Porto onde seu tio, padre Joaquim Ferreira Vidal, era diretor espiritual no seminário da Sé e professor e, em três anos, faz todo o curso liceal, matriculando-se depois em Engenharia e obtendo com brilho o seu diploma.
            Contraiu matrimónio com Dulce da Costa Vidal, filha de António da Costa Tavares e Silva e de Maria Joana de Campos Vidal, em 14 de setembro de 1929, na capela do Vale de Estêvão, lugar da freguesia de Mogofores, concelho de Anadia, a quem dedicou o seu romance «GALOPE NA SOMBRA», com esta frase: «À Dulce na sua silenciosa dedicação»
          Teve no seio familiar os irmãos Manuel de Bastos Xavier, António de Bastos Xavier e João Vidal Xavier. Cabe ainda salientar que fez parte de uma plêiade de escritores que integrou o grupo dos chamados ”Novos Prosadores” colocando-o como um dos pioneiros do conjunto do neorrealismo em Portugal, ombreando ao lado de nomes onde figuraram Sidónio Muralha, Fernando Namora, Alves Redol, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Virgílio Ferreira, João Falcato e Soeiro Pereira Gomes. Das obras editadas, destacam-se os romances de ficção, que foram:
- Cana ao Vento – 1944; 
- Novos Claustros na Montanha – 1953;
- Arame Farpado – 1960;
- O Pátio – 1964;
- Galope na Sombra – 1970;
- A Zorra – 1975;
            Publicou com regularidade vários contos também de ficção em vários órgãos de comunicação, nomeadamente no jornal paroquial «Valongo do Vouga», sob o pseudónimo de “QUASIMODO”, destacando-se a série “HITÓRIAS DA MINHA VIDA – A BEATRIZ DA MINHA INFÂNCIA , entre outras.  Algumas destas obras, comentava-se, focavam conhecidas personagens populares da freguesia, principalmente do lugar de Arrancada do Vouga.
          Chegou a fazer parte dos quadros da função pública, trabalhando em Lisboa, na Direção dos Melhoramentos Rurais e foi Adjunto do Diretor da Junta Autónoma de Estradas em Coimbra e na Guarda. Autor do projeto, dirigindo a construção da estrada de S. Jacinto – Ovar.
            Após esta fase de vida pública, a sua saúde começou a periclitar, pelo que tomou a decisão de pedir uma licença ilimitada (1950), dedicando-se à empresa fundada por seu pai, dirigindo o setor de tinturaria, onde adquirira conhecimentos especializados.
            Desempenhou funções autárquicas, sendo chamado a dirigir os destinos da Câmara Municipal de Águeda, de novembro de 1963 a agosto de 1967, por nomeação. Como é do conhecimento geral, não existiam eleições para as Autarquias, sendo estes cargos e outros desempenhados por nomeação do governo. Não foi reconduzido, sendo demitido, por discordar dos argumentos que estiveram na base da decisão do governo em demitir o Regedor de Recardães.
            Durante este mandato, lançou uma vasta campanha de abastecimento de água domiciliária ao nível do concelho, que sofria de uma acentuada situação de carência – não tendo sido esquecida a sua freguesia – afirmando, muitas vezes, que “nos tempos que correm não se admite que os homens peçam pão, quanto mais água!  tendo proliferado a instalação de um modelo original de fontenário, bem como o lançamento dos projetos dos novos Paços do Concelho, do Posto da GNR e de um grande parque industrial, retirando os edifícios fabris da área urbana da então ainda vila de Águeda e de algumas aldeias do concelho. 
             Esta a recordação que se impunha, ainda assim talvez incompleta, de uma figura importante da freguesia de Valongo do Vouga e do concelho de Águeda, reconhecimento tributado pela Câmara Municipal, dando o seu nome na toponímia de uma rua da nossa cidade.


A capa do romance "CANA AO VENTO", numa 2ª edição especial Fac-similada da Casa do Povo de Valongo do Vouga, 2002, com introdução do Dr. Horácio Marçal, na ocasião da homenagem tributada por aquela Entidade na comemoração do centenário do seu nascimento, que temos em nosso poder.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

NOTÁVEIS DA MINHA TERRA - 8

 O CHICO 

Francisco António  da Silva Gomes dos Santos 

      
Intitular esta página com "O CHICO", nada tem de intencional ou pejorativo mas antes, talvez, tentar abusar um pouco da intimidade privilegiada que tive com esta ilustre personalidade da freguesia há umas décadas emigrado no Brasil. Mas afinal de quem se trata? Fazemos esta interrogação porque estamos convictos que haverá por cá muita boa gente que não se recorda. 

Abrimos um pequeno parêntesis para poder reavivar a sua identificação. O nome completo é aquele que está ali em cima. Seus pais foram os não menos ilustres Inspetor Arménio Gomes dos Santos - que não carece de mais apresentações - e Antónia Valente da Silva, insigne professora nas escolas de Arrancada do Vouga na década de cinquenta séc. XX.  (1)
Recorda-se que seu pai, o Inspetor Arménio, nasceu em 9 de  fevereiro de 1900 e faleceu em 30 de abril de 1971, de forma triste e trágica, caído junto ao portão de sua casa quando ia  pedir auxílio, ficando ali à chuva e ao frio toda a noite até ter sido encontrado pela manhã.
Quanto ao "Chico", já em 2 de abril de 2012, em outro blogue que aqui mantivemos, lhe dedicamos uma pequena nota que não resistimos em repetir e que «rezava» assim:

"O Chico foi meu colega de escola. Estava numa fila de carteiras que ficavam alinhadas do lado da parede, após a entrada da porta (lado direito) e fui colocado na segunda carteira, que, como se sabe, comportavam dois alunos. A primeira carteira desta fila era «chefiada» pelo saudoso João Vidal Xavier, há pouco falecido, filho do ilustre escritor, o Eng.º José de Bastos Xavier e de D. Dulce da Costa Vidal.
 Ao meu lado esquerdo ficava a outra fila de alunos da 4ª classe e, na primeira carteira, outro «chefe» intelectual quanto baste, ou não tivesse a hereditariedade que marcar a sua posição. Era professora a saudosa D. Beatriz de Jesus Araújo Moura. Como ela gostava de traduzir os significados deste nomes, que iam desde  a nobreza, religião, desporto à politica..
Há dias, desfolhando na Biblioteca Municipal,  em pesquisas para outros trabalhos, encontrei umas reportagens, nas quais participei (sem fazer nada), cujo autor foi Armor Pires Mota, uma série que era designada «POR ONDE A SERRA COMEÇA», que chegou a tratar de alguns lugares da freguesia, encostados à serra das Talhadas mas pertencentes à área da freguesia de Valongo do Vouga: Redonda, Salgueiro, Moutedo, Gândara a Cadaveira.
Em paralelo com essas pesquisas e com a recordação daquelas interessantes reportagens, encontrei uma referência no Jornal «Soberania do Povo» cuja digitalização aqui deixo, que, pela numeração e em conjugação  com outras reportagens e datas, deve ter sido publicada em 10 de abril de 1971. Infelizmente e imperdoavelmente, não tomei nota da data, que é elementar em pesquisas.
É com evidente saudade e outro tanto de sentimento de um dever, que o que encontrei diz respeito ao Francisco, hoje figura ilustre da Academia Brasileira, cujos degraus subiu a pulso próprio, antes de 1971, não sem conhecer e sentir o que foram as dificuldades porque passou até poder atingir o alto patamar da cultura e do saber. Esta é apenas uma singela lembrança."

O Chico deu-nos o privilégio de se  corresponder connosco já depois de estar no Brasil. Chegou a ser nomeado Comissário de Policia na cidade de S. Paulo-Brasil. Enviou-nos algumas fotografias, com a sua prole, já depois de ter constituído família. Foi o primeiro Português a desempenhar altos cargos públicos na  Magistratura Brasileira. Ofertou-nos o livro «A ÚLTIMA CEIA EM LISBOA», editado em 2001, numa linguagem a todos os títulos excecional e só admissível a quem conheceu o Chico. Trata-se de uma espécie de "reportagem" que pretendeu descrever uma confraternização que fora organizada na noite anterior à sua partida para o Brasil, realizada em Lisboa. E começava assim:

«Era a minha última ceia em Lisboa.
«Ali estávamos todos, sentados à larga mesa da pensão da dona FESSÓNIA. A nossa querida república de estudantes grulhas e madraços! As nossas idades iam dos dezoito aos vinte e cinco anos. Ali estava Portugal inteiro.»

E fazia alinhar as descrições de todos os «grulhas e madraços» que eram oriundos das mais variadas regiões do país, desde Trás-os-Montes, Entre-Douro-e-Minho, Alto Alentejo, Cais do Sodré-Lisboa, Ribatejo, OIivais (Lisboa), Travassos, Semide, Alfacinha (Lisboa), um conterrâneo de Eça. E rematava este introito desta forma:

«Eu era o homenageado, o valido herói, que iria a Sacavém na tarde seguinte, p´ra voar os céus do Atlântico, rumo à América e à Liberdade! Portanto, deram-me a outra cabeceira da mesa , onde, atestado de alegria e acanaveado de emoções, me sentia como numa charola.»

E na última página do livro, fecha assim o quadro:

"Ouvi um berro colossal no fundo do Tempo!
Desgrenhado, aflito, as gâmbias escanifres a pularem-lhe das cuecas, o Psítiros abanava-me:
- Chico, porra! O avião bate as asas daqui a uma hora!
Seria melhor que as não tivesse batido?
Ou que eu não houvesse acordado...?
Nunca, nunca o saberei...

E é esta singela e despretensiosa nota que deixamos por aqui para quem interessar.
Agradecemos ao Filipe Vidal, sobrinho do Chico, a amabilidade e simpatia colaborativa, revertendo a foto possível daquele seu familiar e nosso ilustre conterrâneo.
Inseridas ainda duas imagens - uma do jornal "Soberania do Povo" noticiando o seu brilhante percurso académico em S. Paulo (Brasil) e outra de seu pai - o Inspetor Arménio  - exibindo uma das suas pombas amestradas que possuía na sua casa, que conhecemos, sita junto da Escola EB 2,3. A última imagem é  de um dos dois edifícios (cada um com duas salas  de aula) da escola que existiram nas escolas primárias de Arrancada. Esta ficava do lado nascente da estrada à entrada daquela localidade e era destinada ao sexo feminino, onde lecionou a profª Antónia Valente da Silva e outra igual localizada no mesmo local junto da estrada que segue para Aguieira, que frequentámos durante quatro anos.


(1) - O regime político então existente em Portugal de cariz ditatorial e substituído pelo golpe de estado ocorrido em abril de 1974, como é sabido, tinha até no ensino uma organização nada condizente com as melhores regras da pedagogia, formação e educação, sendo os alunos separados, existindo salas para rapazes e salas para meninas. Durante o recreio, os rapazes não podiam juntar-se às raparigas nas suas brincadeiras e existia uma acentuada discriminação. Os docentes, ao contrário, eram maioritariamente constituídos por senhoras, havendo um diminuto número de docentes do género masculino. Naqueles anos de 1949 os rapazes tinham as suas salas e as raparigas outras (ao todo quatro). As professoras para todas as classes de rapazes e raparigas eram apenas quatro, sendo uma professora para a 1ª e 3ª classes e uma professora para a 2ª e 4ª classes, hoje designados por primeiro ciclo ou primeiro, segundo, terceiro e quarto anos do ensino básico.
    Estas professoras acumulavam as aulas ministrando as matérias dos programas estabelecidos para cada uma das classes, isto é o ensino era desenvolvido com as professoras a terem de se desdobrar para ensinar as crianças cumprindo os programas para cada uma das classes, durante um dia de aulas. Sabe-se que esta situação ainda é sobejamente conhecida de toda a população portuguesa.
    Já que estamos em maré de recordações, parece-nos oportuno historiar algo mais sobre o ensino daquela época de cinquenta do séc. XX. 
    As professoras exerciam uma rude disciplina sobre os alunos, nomeadamente aplicando castigos através das célebres reguadas violentamente dadas sobre as mãos de imberbes crianças, de madeira relativamente pesada, havendo ainda quem utilizasse as celebérrimas «menina de quatro olhos» - uma régua de madeira também pesada, ficando na ponta, em formato redondo, a parte de madeira que batia violentamente nas mãos da «vítima» e onde se situavam quatro furos que provocavam um efeito assaz doloroso.
    Um tempo a que não se pretende regressar, como se compreende.
  Resta ainda acrescentar que as professoras tinham um efetivo total de alunos que, não sabemos ao certo, andaria à volta de mais de quinze a vinte alunos por classe.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

COISAS DE BAÚS - 3

 O «CIVISMO» DOS OUTROS ANIMAIS

Em fevereiro de 1998, da nossa autoria, publicámos um apontamento com aquele título, no jornal paroquial «Valongo do Vouga». Como se tivesse achado alguma piada à fotografia, assim foi que se registou este facto cá em casa. Com efeito, um felino que existiu na  minha (nossa) companhia passou a ter um comportamento assaz curioso e, de máquina fotográfica em punho, lá andámos algum tempo até que se conseguissem reunir as condições ideias para concretizar o desejo de obter  uma imagem adequada, que se pode ver aqui ao lado. E  o texto que serviu de apresentação e explicação, foi este:

«Muitos animais, nomeadamente aqueles que andam na vertical, sob dois suportes que se chamam membros inferiores, terão, nalguns casos da sua vida, menor instinto cívico que outros que se suportam a quatro.
Na realidade, a foto tirada em casa da nossa freguesia e que, para ser obtida deu algum trabalho e  mostra (sem dúvidas) uma gata que, quando sente mais fortes as necessidades fisiológicas, não suja nem provoca a imundície que por aí se vê em muitos lados, conspurcando o ambiente,  como o fazem uma grande parte de humanos. Vai ao WC lá de casa, vira-se para o lado correto e vá de se «aliviar». 

Como estamos em tempos de recordações, não deixamos de partilhar «esta coisa» com os «visitadores» cibernautas.


domingo, 5 de janeiro de 2025

NOTÁVEIS DA MINHA TERRA - 7

 JOAQUIM SOARES DE SOUZA BAPTISTA

                                                                                                                                                                                Por: Bastos Xavier

  Deambulávamos por aqui e «tropeçámos» com um texto que o Eng.º Bastos Xavier fez publicar no jornal paroquial «Valongo do Vouga» de Junho de 1974, dedicado no seu todo ao grande benemérito da freguesia que foi Souza Baptista. Dava a entender que existia, por parte da freguesia e da sua população, uma certa ingratidão para com esta personalidade ímpar e que, certamente, não voltará a ser igualado. De certa forma os tempos eram outros, o modo de vida e os rendimentos eram diminutos, os meios para angariação de condições de vida aceitáveis eram parcos ou quase inexistentes numa população rural  e quase analfabeta.
Melhor do que repetir alguns adjetivos acerca desses tempos e dessa personalidade será, certamente, seguir o que o Eng.º Bastos Xavier - a quem pretendemos dedicar brevemente uma pequena biografia - deixou transparecer na sua exposição, que foi do seguinte teor:

«Temos nas croniquetas anteriores procurado dar uma ideia do que era a vida da nossa gente antes da chegada deste Homem a quem tive a honra de acompanhar nalguns passos mais significativos da sua vida ilustre. Daí o reparo que já fiz de que a Câmara lhe não estampasse o nome da esquina duma rua. Vão-me dizer que o ambiente em que se manifestou a sua benemérita acção foi a freguesia, não o concelho. Meu Deus! Concelho e freguesia devem estar inteiramente ligados. O bem de um reflete-se no outro. As figuras ilustres da freguesia são-no também do concelho. Ferraz de Macedo, da primeira Câmara republicana, é o exemplo, como já dissemos. O bem ou o mal de um órgão afecta todo o corpo. Mas volvamos ao assunto em causa.
        Quando Souza Baptista chegou à nossa terra vindo do Brasil para onde partira por conta do Estado Brasileiro com o seu curso de regente agrícola, em que era distinto, a nossa freguesia vivia mal, sem trabalho, e por isso sem pão, como já se escreveu. Era grande o numero de cavadores ao «alto», era por isso grande o número dos lares  miseráveis. Nem todos podiam ser ferreiros, nem todos podiam ser cardadores se bem que este ofício de ocasião estivesse, por assim dizer, generalizado entre todos os cavadores. Perante esta trágica circunstância, Souza Baptista logo de inicio não hesitou: cuidou em dar trabalho nas suas propriedades aos desempregados. Depois olhou para o bem da sua terra, trazendo-lhe logo o telégrafo e depois o telefone. Voltou-se então para os baldios ,chamando a atenção para a sua riqueza em prospetos que à sua custa  mandou distribuir pela freguesia, e o caso é que eles foram todos distribuídos sem que os Serviços Florestais se apoderassem de alguns, como sucedeu em outras freguesias que não tiveram um guia à altura intelectual dele. Para dar exemplo semeou no maninho um grande pinhal de que falava com justificado orgulho.
        Construiu a Casa do Povo em que gastou mais de mil contos. Foi, com justa causa,  Procurador na Câmara Corporativa e dava à Casa do Povo o ordenado que aí recebia. Quis instituir na Casa do Povo uma música, fez sacrifícios, mas a falta de vocação da nossa gente não o consentiu. Todavia pagou à sua custa o instrumental. Abriu à nossa gente um campo de jogos. Fez também à sua custa estradas e fontes e obteve do Estado a comparticipação em outros melhoramentos. Trouxe a rede eléctrica, acabou pagando-a e  entregou os seus rendimentos à Casado Povo. Construiu duas capelas em  Arrancada e reformou a igreja. Estudou economicamente a vida da freguesia, publicou em jornais artigos valiosos e até um interessante livrinho sobre a vida rural da nossa gente.. Deve-se a ele o apeadeiro de Valongo e para tanto teve à sua custa de fazer trabalhos na linha.
     Foi, enfim, entre nós um grande Homem. Dizemo-lo sem paixões. Apenas chocado pelo esquecimento a que o votaram aqueles que tanto beneficiaram com as suas dádivas.
        Leitor, ânimo: são para ti estas minhas palavras de justiça, não de lisonja que não adianta elogiar os mortos. Mas agora que a freguesia tem um jornal (quanto ele o apreciaria) entendi ser do meu dever fazer-te conhecer a injustiça que estás praticando com esse Homem, um dos maiores da freguesia.
        Todos nós, ricos ou pobres, lhe devemos muito. Mas os pobres ainda mais que os ricos. Já há muito que o devíamos ter feito, mas já que as circunstâncias agora o permitem, focamo-lo nesta ocasião. Temos de perpetuar a sua memória num monumento de bronze que testemunhe aos vindouros o nosso sentimento de gratidão. Para tal realização, esperamos o auxílio de todos, ricos ou pobres.             Mas esperamos que o auxílio principal venha dos pobres que ele, a seu modo, tanto amou. Tu, cavador honesto, que já hoje vives razoavelmente, lembra-te dos anos de fome que passaste que foi ele que veio até ti, não dar-te a esmola humilhante mas o trabalho de que necessitavas para teu sustento e dos teus.
        Mostra a tua gratidão numa oferenda que sirva para perpetuar a memória deste Homem. Dá o que puderes e o que julgares do teu dever, dá mesmo 1$00. Nós aceitamos tudo. Mas esperamos mais dos pobres a quem Joaquim Baptista valeu. Por isso recebemos com mais carinho as dádivas dos que outrora foram pobres, abandonados, miseráveis. Se eles não corresponderem ao nosso apelo, iremos de chapéu na mão pedir dinheiro aos ricos. E para te mostrar que fazendo este apelo aos pobres me não ponho de fora, encabeço a lista com 500$00 e fico à espera da contribuição que te é devida.
       Foi a primeira vez que encontraste um patrão generoso e compreensivo, um Homem superiormente inteligente em que a caridade era mais uma conclusão da razão que uma imposição do sentimento. Por isso o seu valioso auxílio não era a tua humilhação.
Dá, dá sem reservas, que a memória desse Homem tudo merece. Ficamos esperando por ti. Entrega a tua dádiva à Comissão que vai formar-se.

a) - Bastos Xavier
Nota:
As imagens que foram selecionadas para ilustrar esta nota, são as que possuíamos e achamos mais condizentes com o texto. Como havia no arquivo que possuímos a fotografia com sua esposa, Maria Sintz de Sousa Baptista, achamos que não deslustra, porque foi a companheira que esteve sempre ao seu lado apoiando o seu marido em tudo o que achava por bem proporcionar ao seu semelhante.